sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 2021: ANA DOS SANTOS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


 

RESENHA DE "PEQUENOS GRANDES LÁBIOS NEGROS " NA PÁGINA "CRÍTICA DOS LIVROS"


Resenha da página Crítica dos livros
Pequenos Grandes Lábios Negros – Ana dos Santos
A escritora e poetisa Ana dos Santos adentra 2021 com seu terceiro livro de poemas. Pequenos Grandes Lábios Negros é justamente os termos do título, apresenta a parte do corpo feminino (biológico) como o corpo todo, a cor como a cor toda, a grandeza dentro de um pequeno livro.
Os versos curtos deixam claro o protesto, deixam claro o justo reclame e se apresenta como a arma, uma arma preta. Quando fala no sexo, é com violência, se fala na cor, cega, se fala do corpo, apresenta os espinhos.
Uma obra que não carece de nada para se tornar um manifesto.
 
NO TREM DO TEMPO

 
 
NO TREM DO TEMPO - programa sobre poesia, prosa, leituras e livros e programação musical "eclética" (mpb, rock, rap, etc.)
Boletim Leitura e Livros por Ana Dos Santos
A partir desse fim de semana começo a apresentar mensalmente um drops de Literatura no programa "No trem do tempo" de São Paulo nas webrádios:
Rádio Comunitária Cantareira - sábado 16h
Estilo Webrádio - domingo às 17h
HOJE, 24 DE JANEIRO ÀS 17h
Vou falar sobre as escritoras Maria Firmina, Carolina Maria e Conceição Evaristo


PROGRAMA SET DA RÁDIO GUAÍBA


 


sábado, 2 de janeiro de 2021

 CARTA


TRILHA SONORA DA SAUDADE

“... desejo o que não vivi/desejo antigo de te encontrar...”

 

   Que ironia... você foi uma das últimas pessoas que abracei antes da pandemia. Meu coração disparou quando te revi em meio à multidão. Senti de longe o teu frio na barriga. Só restou ir ao encontro um do outro, num abraço desajeitado, mas sincero como sempre foi nossa amizade. Há quanto tempo não nos víamos? Meses...

 

“... já faz tempo eu vi você na rua,/cabelo ao vento, gente jovem reunida...”

 

   Sim, te vi no meio do verão, passei de táxi pela rua dos bares. Você estava conversando e sorrindo. Aquele sorriso lindo que me despertou numa manhã de dezembro. Era 2019. Nós dormimos de conchinha. Um sono profundo, depois de se amar toda madrugada. Eu disse amor? Talvez, fosse paixão! Mas com certeza era calor, fogo, chama. Agora, presa nesse isolamento social incalculável, eu tento reproduzir essa noite, dormindo de conchinha com meu travesseiro.

   Amizade, paixão, caso, rolo, crush, etc. Os relacionamentos líquidos são a tônica do século XXI. Só não sabíamos como se relacionar em meio a uma pandemia. A Organização Mundial da Saúde disse que o vírus é altamente transmissível através do beijo. E que só algumas posições sexuais são seguras. Bom, eu não queria só fazer sexo com você. Mas o teu beijo, ah, o teu beijo mataria minha fome, minha sede. Eu sinto saudade é do teu beijo...

 

“Não se admire se um dia,/um beija-flor invadir,/a porta da tua casa,/te der um beijo e partir,/fui eu quem mandou o beijo,/que é pra matar meu desejo,/faz tempo que eu não te vejo,/ai que saudade d’ôce...”

 

   E se a gente morrer? Eu penso na minha morte todos os dias, porque tem cerca de mil pessoas morrendo diariamente no Brasil. Eu mesma, já perdi algumas pelo caminho. A gente deu um azar danado de nascer nesse país... E se eu morrer...você nunca vai ler essas palavras...E se você morrer? E a gente nunca mais se ver? Pensando assim, você foi a melhor coisa que me aconteceu antes da pandemia. Você se tornou o meu amor. E é em você que gosto de pensar nos dias ruins.

   Gosto de lembrar dos nossos encontros, os casuais e os combinados. Lembro até das roupas que a gente vestia, e lembro das roupas que a gente despiu. Era muito desejo guardado, muita conversa dividida enquanto a gente era, só, amigos...

 

“Quando a gente conversa,/contando casos, besteiras,/tanta coisa em comum,/deixando escapar segredos,/e eu não sei em que hora dizer,/me dá um medo, que medo...”

 

   Não, eu não vou me declarar pra você. Até porque eu não tenho mais o teu telefone. Foi aí que a gente parou de conversar. Até hoje, você não me respondeu a última pergunta que eu te fiz... Então resolvi te esquecer e apaguei teu telefone. Mas, bah... eu queria te contar tanta coisa que aconteceu antes da pandemia, tu tinha razão em algumas profecias que se realizaram. Aquele dia, não deu pra gente conversar, os dois estavam acompanhados. Mas, se eu pudesse, talvez nem conversasse. Eu iria te tirar pra dançar. Tudo o que eu que eu queria era dançar com você. Nossos corpos se entendem melhor do que nossas palavras.

   Não, eu não vou te mandar essa carta. Acho que você é que devia me escrever. Sinto que quer me dizer algo, porque você sempre aparece nos meus sonhos. Você fala, mas a voz não sai.

   Também acho que depois do isolamento, se ele acabar um dia, eu também não vou te procurar... Quero ficar só com as lembranças boas, da gente dançando coladinho em meio à aglomeração do samba. Também acho que não vai ter mais esse tipo de aglomeração... Quero lembrar das noites estreladas, da cerveja gelada que bebi nos teus lábios e do brilho do teu olhar, sorrindo pra mim, enquanto eu acariciava teus cabelos. Essas lembranças, nenhuma tragédia pode apagar, nem o tempo, nem o mar...

 

“Se um dia ocê se lembrar,/escreva uma carta pra mim/Bote logo no correio/Com frases dizendo assim:/Faz tempo que eu não te vejo/Quero matar meu desejo/Lhe mando um monte de beijos/Ai que saudades sem fim!”

 

Ana Dos Santos

P.S. (trechos de música de Mahmundi, Belchior, Luiz Gonzaga e Cazuza)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

 DIÁRIO DA PANDEMIA (blog da escritora Júlia Dantas)


Dia 137

   Acordei no meio de um sonho molhado... estava quase chegando lá...

   Escuto o primeiro ônibus do dia passando, devem ser 05h00min, o motorista e o cobrador com certeza acordaram as 03h00min e já estão trabalhando.

   No meu privilégio de poder trabalhar em casa, viro paro o lado e tento dormir. Mas começo a lembrar da minha tripla jornada de mãe, dona de casa e professora. Ah, tenho que revisar um artigo pra pós, que parou também por conta da pandemia... Então, distribuo mentalmente as tarefas como: prioritárias, urgentes e “faço quando der”!

   Abro os olhos, uma lagartixa está subindo pela parede... Eu também!

   Assim como uma grande parte das pessoas ao redor do planeta, eu finjo que a vida agora está no “novo normal”. Me conecto ao ciberespaço, abro meus e-mails:

- Sôra, desculpa por não fazer o trabalho, é que fui assaltado ontem e levaram meu celular, não sei quando vou ter outro...

- Tudo bem, Breno, eu aguardo. Como você está? Te machucaram? Cuidado com a violência e cuidado com o vírus também!

   Eu ia escrever “Fica em casa!”, mas lembrei que assim como ele, muitos alunos precisam trabalhar, pois os pais foram demitidos quando essa tragédia mundial começou. A exclusão digital está afastando um grande número de alunos da escola, assim como outros que devem ter se contaminado ou tiveram que cuidar de alguém doente na família.

   Hoje já se passaram quatro meses de pandemia do Corona vírus, e eu permaneço em isolamento social. Já perdi duas amigas para o covid-19. Não pude me despedir. Também conheço outras duas que se contaminaram e conseguiram se curar. Lembro que a Rosa que está há uma semana com o teste positivo... sinto medo, começo a chorar....aproveito para chorar também por outras dores e perdas.

 

CAFÉ PARA CONTINUAR!

Vou ler as notícias, nada mudou!

Infelizmente o número de mortes continua crescendo: 90.000 pessoas!

Nossos governantes continuam mentindo e roubando o dinheiro do povo.

Nada mudou!

SINTO FALTA DE AR!

NÃO CONSIGO RESPIRAR!

Já tive a impressão de que me contaminei 1000 vezes, mas limpei tudo há tempo.

SINTO FALTA DE AR!

NÃO CONSIGO RESPIRAR!

O racismo no Brasil continua matando pessoas negras a cada 23 minutos. Sempre sou seguida pelo segurança do supermercado, agora, com minha máscara, “Aqui estou, mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia”.

CAFÉ PRA CONTINUAR!

SINTO FALTA DE AR!

NÃO CONSIGO RESPIRAR!

Estamos em 2021, mas nós negros, continuamos em 14 de maio de 1888.

   Anoiteceu. E com os dias gelados, anoitece cada vez mais cedo. Troquei o dia pela noite.

   Aqui na minha rua, depois das 20h não se vê uma viva alma, com exceção dos moradores de rua, que crescem em números exponenciais.

VINHO PRA RELAXAR!

    Vou pra sacada no escuro. Gosto de observar os vizinhos. Já conheço suas rotinas e horários. Quando acabar esse isolamento, quero conhecer os que bateram panelas comigo quando havia esperança na justiça. Há dois meses as panelas silenciariam.

MAIS VINHO PARA RELAXAR!

   Tem um vizinho no prédio da frente que gosta de tomar sol só de cueca. Ele também esquece a toalha quando sai do banho nu. Lembrei! Foi com ele que sonhei na noite passada.

   A lagartixa continua subindo pela parede. Eu também!

 

Ana Dos Santos