terça-feira, 10 de dezembro de 2019

FEIRA DO LIVRO E NOVEMBRO NEGRO

SARAU LEITURAS PERIFÉRICAS
(in memoriam Joelmir Silva)
Os escritores Marcelo Martins, José Falero, Vinícius Guerreiro, Ana Dos Santos e Mano Cascata

Minha Madrinha Literária, a escritora Lílian Rocha

SARAU COMER BEBER VIVER




 Ana Dos Santos, Vera Molina, Alexandre Brito e Roberto Jung

MULHERES NA POESIA, os outros é que são eles!
Teresa Cárdenas, Cinara Ferreira, Ana Dos Santos e Liliam Ramos






Lançamento do livro "O coice da égua" de Valeska Torres




ME TORNEI ACADÊMICA, CADEIRA 100 DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL- RS, PATRONA LÉLIA GONZÁLES, MADRINHA LÍLIAN ROCHA




A LITERATURA NEGRA DO RIO GRANDE DO SUL NA ATUALIDADE - Oscar Henrique Cardoso, Ana Dos Santos e Lílian Rocha




ENCONTRO AYÁ - PROFESSORES NEGROS NA FEIRA DO LIVRO
Os escritores Ana Dos Santos, Heloísa Pires Lima e José Falero e osprofessores Jaque Franco e Bruno


ENCONTRO COM ESCRITORAS -OBIRIN ONKOWE
Jacira Fagundes, Eliane Marques, Ana Dos Santos, Lílian Rocha e Lúcia Helena Santos






SARAU MULHERES NEGRAS EM RESISTÊNCIA - Café Cantante
Ana, Karen, Laura e Suelen








DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - FACULDADE DE TECNOLOGIA DO COOPERATIVISMO
A INVISIBILIDADE DO NEGRO NA LITERATURA
http://escoop.edu.br/dia-da-consciencia-negra-debate-preconceito-e-invisibilidade-dos-negros-na-literatura/?fbclid=IwAR1Oom_e7UU1tPZexXrIUN0EQ_oYsVk7pPnxLoodyKABEbaV9m0uh0hZg4Y






MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA NO CENTRO CULTURAL DA SANTA CASA
A Escrita Negra Feminina




FESTA LITERÁRIA DA PERIFERIA - Biblioteca Comunitária Girassol - Sarandi e Rede de Leituras


Os escritores Marcelo, Lílian, Atena e Ana

NOVEMBRO NEGRO - RODA DE CONVERSA: RESISTÊNCIA E EMPODERAMENTO

GRUPO DE CAPOEIRA ANGOLA NZINGA
Ana, Matheus, Graziela, Mara e Mariana

SARAU DA CONSCIÊNCIA NEGRA - DHARMA DREW PUB
Poetas Renato, Lílian e Ana





FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA ESCOLAR DE ALVORADA

PRÊMIO PROTAGONISMO FEMININO MARIELLE FRANCO
Professores Adaílton, Ana e André





segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O DIA EM QUE CONHECI MARIELLE FRANCO

No dia 14 de março de 2018, depois de um longo e exaustivo dia de trabalho, resolvi entrar na internet justo no momento em que uma notícia estava sendo divulgada: "Vereadora é assassinada no Rio de Janeiro".
Eu, não conhecia Marielle.
E hoje, não vou falar da morte dela. E, sim, da vida que ela teve.
Fui procurar saber quem era essa mulher e para minha surpresa, descobri que ela era negra como eu.
Marielle e eu tínhamos quase a mesma idade. Mas, eu, ainda estou viva...
Marielle criava sua filha sozinha, assim como eu crio o meu filho.
Marielle encontrou um novo amor e elas pretendiam se casar no final daquele ano. Eu, estou reaprendendo a amar de novo.
Marielle havia terminado seu Mestrado recentemente. Eu estava no processo de seleção do Mestrado que curso hoje.
Nossas coincidências não ficaram só aí! Nossas pesquisas científicas têm como objeto o nosso povo negro.
Não vou falar da atuação política de Marielle na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Marielle, antes de ser eleita, já era uma política atuante na sua comunidade. Ela fez em pouco tempo, o que metade daqueles vereadores nunca fizeram por sua cidade.
"A cria da Maré", como ela mesmo se referia, nasceu em 1979, no Rio de Janeiro. Filha de Marinete e Antônio, vivia no Complexo da Maré.
Assim como eu, sempre trabalhou e estudou, para poder continuar estudando. Seu primeiro emprego foi como camelô. Depois, tornou-se educadora trabalhando numa creche, o que a levou a conhecer de perto a necessidade da Educação Infantil para que as mulheres possam trabalhar fora. Uma das suas realizações para a comunidade foi a criação das "Casas de Parto" na Maré.
Marielle era uma mulher feliz, a gente pode constatar em suas fotografias "um sorriso negro que traz felicidade". Em sua juventude foi dançarina da equipe de funk "Furacão 2000", uma expressão cultural da comunidade: "Eu só quero é ser feliz/Andar tranquilamente na favela onde eu nasci/E poder me orgulhar/E ter a consciência que o pobre tem seu lugar!"
Marielle casou e teve uma filha, Luyara, que há pouco dias declarou que muitos estão usando a imagem de sua mãe com interesses políticos.
Marielle perdeu uma amiga para a violência policial que é a única ação do Estado dentro das comunidades negras no Brasil. O genocídio da juventude negra têm aumentado ano após ano. A morte de mulheres negras triplicou nos últimos anos. As balas "perdidas" são facilmente "encontradas" nos corpos negros!
Marielle decidiu estudar, entender e tentar resolver essa equação. Fez um curso pré-vestibular comunitário e ingressou no curso de Ciências Sociais. Logo, fez o Mestrado em Administração Pública com a seguinte dissertação: "UPP - A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado de Rio de Janeiro."
Em resumo seu trabalho é uma crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro e da polícia militar. Ela denunciava constantemente abusos de autoridades contra moradores das comunidades cometidos pelos policiais.
Marielle era uma defensora dos Direitos Humanos e também uma feminista engajada nos direitos da população LGBTI.
Entre suas pautas estavam também a luta pelo fim da violência contra a mulher e o direito ao aborto.
Uma das suas últimas ações como vereadora foi formalizar o transporte dos mototáxis nas comunidades.
Termino esse relato trazendo algumas proposições que Marielle nos deixou em seu trabalho intelectual:
- Avançar em ações contundentes imediatas, ampliando forças para não perder "nem um direito a menos"!
- Defender a vida, com momentos contra a violência letal e pela ampliação da dignidade humana.
- Construir proposições de políticas públicas para enfraquecer as estratégias do capital no Brasil.
- Fortalecer a narrativa pela convivência plena na cidade, com as múltiplas diferenças, para conquistar no imaginário predominante o desafio fundamental de superar as desigualdades como eixo fundamental da luta.
- Ampliar a centralidade dos corpos da periferia como atores centrais das ações sociais, entre os quais destacam-se as mulheres negras e mais pobres, com ênfase nas faveladas em todo o território nacional.
Marielle tinha uma "emergência da vida" assim como suas iguais, mulheres feministas negras e faveladas têm hoje! Segundo palavras dela: Elas são a potência criativa e inventiva da favela. A trajetória impulsionada pelas mesmas marca-se pelo instinto primário de sobrevivência (delas e de suas famílias). Articulam-se em relações de solidariedade para manutenção da vida e para ampliação da dignidade.
O dia em que conhecei Marielle Franco, não tive tempo de dizer a ela: Prazer em te conhecer! Ana Dos Santos

sábado, 16 de novembro de 2019

Apresentação de "Mar Lírico" de Marlon Pires Ramos por Ana Dos Santos


MAR LÍRICO
   Eu podia falar do livro do Marlon como professora e pesquisadora de Literatura, falar da sua linguagem coloquial, da força da oralidade no seu verso, do resgate da memória ancestral e da presença significante das mulheres negras na sua formação como sujeito e eu lírico desse mar.
   Mas, eu vou mandar um papo reto, um flow mesmo, porque sou poeta também e esse livro me provocou um ritmo, um ritmo e uma poesia!
   A começar pelo título, lindo mesmo, inspirador! Esse mar eu reconheço, Marlon é o afro-atlântico que nós atravessamos um dia, para nos reencontrarmos nessa diáspora, aqui no “Deep South”, como diz Duan Kissonde, outro malungo poeta nosso!
   É Marlon, nossos passos vêm de longe, disse Jurema Werneck e repetimos nós, o tempo todo, para não esquecermos quem somos. Por que se não sabemos para onde vamos, sabemos das pegadas dos nossos ancestrais, pra pisar com firmeza nesse chão!
   Teto preto não é legal, a gente acorda malzão no outro dia. Mas tô pra ti dizer que Teto preto é o branco mesmo! O branco é o teto preto das nossas vidas! Black lives matter!! O branco vem, rouba nossa negritude e nos chama de pardo, depois, recoloca a negritude quando convém pra dar enquadro! É foda!
   “PORQUE SOU HUMANO!”, é mais que um verso, é um grito, é um pedido, por favor, respeitem nossas vidas! Principalmente desse poeta, pra não virar estatística!
“VOCÊ TEM FALAR O QUE ESCREVE!”, diz outro verso, mas, ele escreve para não falar, vocês entendem???
   É que falar não basta, tem que escrever! Marlon é humano e escritor!
   “ESTOU TRABALHANDO!”
   “ESTOU ESCREVENDO!”
   “ESTOU APRENDENDO!”
   “ESTOU OBSERVANDO!”
   Marlon é um homem que chora e toma cerveja e observa.
   “Meus verso tem origem preta
   tipo avião que perde a caixa preta!”
   Eu lembro do dia que você foi assaltado, irmão, era domingo, tu me contou, era dia, perto do parque, cheio de gente...” É mais um absurdo que virou poesia...
    “Você dança sobre o vulcão?” Sim, Marlon, eu danço com o vulcão! Esse livro é sobre nós!
   “EU QUERO VOAR!” Já é!
   “ESCREVO O QUE EU QUERO!” Já é!
   É tudo nosso , Marlon, tudo nosso!
   Mar lírico para boiar na calmaria,
 para seguir no fluxo,
 pra beber na fonte,
 academia de rimas é Mano Brown!
   Marlon, tu improvisou no lançamento do meu livro, mas se eu improvisar aqui, eu choro!
EU ESCREVO O QUE EU QUERO TAMBÉM!
   Que Oxalá te limpe desse veneno! Marlon, poeta!
   ”Então chore, não se demore, porque acalanto do seu coração está vindo e é tão lindo quanto esta canção!”
Canção de Tássia Reis, salve!
Salve Agnes Cardoso,
Salve Djamila Ribeiro,
Salve as preta nesse livro, eu também admiro muito a tua pretinha!
   Marlon, me empresta tua vozinha???

   “Chico Buarque falando dos preto é a gota d’água!
   (...) Tô mais pros Racionais, Negro Drama é o caminho”

   Nós por nós, UBUNTU, você sabe praticar esse saber, Marlon!
   Amor sem miséria pra nós!
É noiz, na fita, mano!
É noiz!!!!

Ana Dos Santos

 

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

AFRO'NTALKS


















MULHERIO DAS LETRAS - RS
"O CORPO ERÓTICO  E POLÍTICO - BATE-PAPO ENTRE LITERATURA E PSICANÁLISE" COM A ESCRITORA TAIASMIM OHNMACHT

https://literaturars.com.br/2019/10/22/mulherio-das-letras-rs-promove-oficinas-e-debates-na-fundacao-ecarta/?fbclid=IwAR3uULb0A8ALTXwOEbGH5loqk3QScrm9b4eVpwCrh3UqAlynPrf787j_rkc

65ª FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE
IN MEMORIAM JOELMIR SILVA
MULHERES NA POESIA - os outros é que são eles
ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL - Seccional do Rio Grande do Sul

"A Academia de Letras do Brasil | Seção Rio Grande do Sul tem a honra e a satisfação de convidar para fazer parte da academia e se tornar uma Acadêmica Imortal a Senhora
Ana Dos Santos
Escritora, com destaque no universo literário, é considerada pela academia uma agente literária que pode contribuir para a promoção dos escritores independentes, a formação de mais leitores e a consagração da literatura como instrumento de educação, conhecimento, cultura e formação de cidadãos que construam um país melhor."
 EMPOSSADA COMO ACADÊMICA NA CADEIRA 100 COM A PATRONA LÉLIA GONZALES

MARIA COSTA, LILIAN ROCHA, OSCAR HENRIQUE CARDOSO, MAUMAU CASTRO E ANA DOS SANTOS



sábado, 19 de outubro de 2019


A MULHER NAS ASAS DA LITERATURA – RESISTÊNCIA E POÉTICA


    Quando criança me tornei leitora ao mesmo tempo em que era alfabetizada na escola. Em casa, através das mãos de minha mãe, uma professora nascida aqui em Alegrete, recebi livros infantis que me levaram a voar nas asas da imaginação. Com o “Pequeno Príncipe”, viajei além-terra e além-mar para outros planetas e galáxias. Através de minha tia, outra professora também nascida aqui, conheci o poema "Meus 8 anos” de Casimiro de Abreu, que foi recitado diversas vezes, para por mim ser memorizado e dito em meu aniversário! Foi das mãos dessa tia que também conheci Mário Quintana, o poeta “passarinho” que também nasceu nesse chão. Por isso hoje, tenho que evocar essas memórias, porque nas voltas que o mundo dá, peguei carona nas asas da Literatura e cheguei em Alegrete, cidade da minha árvore genealógica, de meus ancestrais. Mulheres que me fizeram voar no mundo da imaginação e que me permitiram aprender a voar sozinha nas asas da Poesia!
    Como uma escritora, no caso, uma poetisa, eu proponho rotas de voo para meus leitores. Não por acaso, essas rotas me levam à África, continente de onde vieram meus ancestrais e que fizeram morada aqui em Alegrete. Tanto por parte de mãe, como parte de pai, sou afrodescendente. Comecei essa pesquisa como Trabalho de Conclusão no meu curso de Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Produzi um documentário sobre minha avó, Martina Freitas, uma matriarca na família e uma contadora de histórias. Mais uma vez, uma mulher que me levou a voar nas asas da Literatura Oral. Uma mulher de resistência, que sempre valorizou o estudo na vida de suas filhas. Uma mulher que participou da primeira eleição onde as mulheres podiam votar em Alegrete. Uma mulher que viveu numa cidade onde durante muito tempo tinha um lado da calçada para brancos e outro para negros. Uma mulher de Resistência.

     A Poética de uma mulher negra é uma Poética de Resistência. Para hoje eu poder escrever o que penso e sinto, meus antepassados tiveram que atravessar o Atlântico trazidos à força de África e contra sua vontade. Passaram horrores nas mãos dos senhores de escravos e capitães do mato. Muitos se calaram, para poder sobreviver. Mas eu, eu não me calo mais! Eu aprendi a ler e escrever. Tomei gosto pela leitura. Descobri heróis e heroínas afro-brasileiros que lutaram pela liberdade do meu povo. Eu também tenho um sonho, como o pastor Martin Luther King. Um sonho de igualdade e respeito. Meu discurso é de paz, mas tenho consciência que no Brasil, mulheres negras morrem mais do que o restante da população. Para cada mulher negra que morre por causa do machismo e do racismo, é uma palavra difícil que coloco na minha Poética. Minha escrita é de Resistência, porque para cada pedaço de carne negra que tomba no chão, uma parte de mim morre junto. Em cada palavra que escrevo, eu luto contra a morte. Para uma mulher negra, no Brasil, estar viva já é um ato de Resistência. Contrariando as estatísticas, eu sou uma poetisa negra e em cada verso que escrevo eu dou vida e ressuscito aquelas que vieram antes de mim. Eu quero eternizar todas as mulheres negras na minha Poesia e quero que elas voem para onde bem desejarem, pois a Poesia é asa e permite que sejamos livres de toda opressão e permite que nós possamos sonhar, desejar e amar!

   O meu processo de escrita é orgânico. Eu comecei a escrever fazendo diários, algo que faço desde sempre. E comecei escrevendo poemas amorosos, como a maioria das pessoas faz. Mas, eu já tinha uma visão de sujeito amoroso que não se encaixava em relacionamentos padrões. Quando comecei a escrever Poesia Erótica, isso ficou mais claro para mim: “Mulher não deve falar de sexo! Onde já se viu? Mulher com desejo sexual?” Não é por acaso que esses poemas ainda incomodam os leitores: uma mulher que deixa de ser o objeto do desejo para ser o sujeito do desejo ainda é tabu em pleno século XXI. Mas, para mim, falar do meu corpo, do meu desejo, das minhas dores e paixões é fundamental! Eu resisto e persisto nessa Poética. Assim também posso encorajar as leitoras a dizerem o que sentem. E mulher, como diz a cantora Elza Soares, mulher sofre quietinho, calada e não! Mulher tem que gritar, tem que dizer, tem que botar pra f...

    Quanto à dedicação, tempo e dificuldades de escrever, eu posso falar sobre o gênero Poesia, que é o meu ofício. Eu sou professora, mãe e dona de casa, e isso já responde um pouco essa questão do tempo. Não sei se eu gostaria de ter mais tempo para escrever, pois como dizia Clarice Lispector, viver já me ocupa muito tempo. Mas acho que a Poesia encaixa direitinho na minha vida, porque tenho fases de escrever mais e outras de não escrever nada. No entanto tenho poemas de 20 anos atrás, que só agora estão prontos e ás vezes eu gosto de reescrever alguns. Trago aqui uma fala que gosto muito da poetisa afro-americana Audre Lorde:

"Recentemente, um coletivo de mulheres editoras
decidiu publicar uma edição só de prosa, alegando que
a poesia era uma forma artística menos “rigorosa” ou
“séria”. Mesmo a forma que nossa criatividade toma é
muitas vezes uma questão de classe. De todas as formas
de arte, poesia é a mais econômica. Ela é a que é mais
secreta, a que requer menos trabalho físico, menos
materiais, e a que pode ser feita entre turnos, na copa
do hospital, no metrô, e em retalhos de sobra de papel.
Nos últimos dois anos, escrevendo uma novela com o
orçamento apertado, eu pude compreender as enormes
diferenças nas demandas materiais entre poesia e prosa.
Na reivindicação de nossa literatura, a poesia tem sido
a voz principal das pessoas pobres, da classe operária e
das mulheres de Cor. Um teto próprio pode ser uma
condição à escrita da prosa, mas também são resmas
de papel, uma máquina de escrever e tempo de sobra"


   Eu entrei no curso de Letras nos anos 90 na UFRGS. É um curso majoritariamente de alunas, com poucos alunos. Mas, entre 150 alunos, só tinha eu e mais dois alunos negros. A universidade foi o lugar onde mais sofri racismo na vida. Eu tive que trancar o curso porque não aguentei a rotina de humilhação e exclusão partidas dos meus colegas e professores. No meu caso, a questão de classe social também contou muito pois eu estagiava na faculdade durante todo o curso como bolsista e monitora. Depois de um tempo, voltei e me formei.

   Quanto ao machismo, eu vou te relatar o que percebi e que também foi discutido recentemente (maio 2017) num encontro sobre Letras e Feminismo no FestiPoa Literária com a presença da escritora e professora Heloísa Buarque de Holanda.  O machismo intelectual está presente nas bibliografias dos cursos. Os estudantes de Letras não leem escritoras, não leem mulheres! Nossa visão de mundo é masculina e branca.
    Também trago aqui uma fala da escritora Lélia Almeida na última Feira do Livro de Porto Alegre: “Os homens não leem e não escrevem sobre outros pares femininos, como irmãs por exemplo. “Eles contam sobre Antígona, Anna Karenina, Madame Bovary, todas fazem parte de romances famosos, mulheres que se tornam influentes e morrem de castigo. Uma se atira nos trilhos e a outra toma veneno. Terminam loucas, senis, doentes ou mortas.”

    A proposta de Lélia é que os leitores conheçam mais sobre as mães e as filhas na literatura de autoria feminina. A inserção neste universo serve para compreender, “ao contrário de premissas patriarcais, que os afetos entre as mulheres são de central importância, empoderadores de todas as personagens envolvidas”. Para ela, o caminho fundamental para compreender historicamente o apagamento desta relação é o fato das mulheres somente alcançarem a felicidade ao se casarem com os homens. Desta forma, as figuras centrais da literatura – e da vida real – acabam sendo, sobretudo, os pais, os irmãos, os amigos e os amantes.

   Quanto ao racismo, eu voltei agora para a Universidade e me sinto mais à vontade pela quantidade alunos negros que entraram pelas cotas raciais. Agora não estou sozinha, nem isolada e posso te garantir que os alunos cotistas são os mais estudiosos e dedicados. 

    Sobre o mercado editorial, eu posso te dizer que ainda temos que ocupar mais espaço. Eu publiquei meu primeiro livro através de um concurso e uma premiação. Tenho participado de diversos outros concursos literários e publicado em Antologias junto com outras poetisas e poetas. Tenho uma pesquisa sobre escritoras negras e ao procurar suas obras me deparei com as publicações já esgotadas nas editoras ou esgotadas com a autora sem previsão de novas publicações. Numa mesa na Feira do Livro de 2015, uma editora nos relatou que as livrarias não sabem vender Literatura Negra. Ou os livros ficam escondidos, ou não se encaixam em nenhum setor de gênero ou temática. A Lélia Almeida também fala sobre as premiações são incipientes e a crítica literária que é inexistente. Este ano surgiu um grupo chamado Mulherio das Letras que vai se reunir em Outubro na cidade de João Pessoa e já conta com 4.300 escritoras que vão se reunir para achar maneiras de entrar no mercado editorial, nos concursos e premiações literários.
    Os rótulos e estereótipos em relação a escrita de autoria feminina, são bem mais antigos que a gente imagina. A escritora inglesa Jane Austen, antes de assinar seus trabalhos, usava um pseudônimo masculino. Depois que começou a fazer sucesso, assumiu que era uma escritora. A nossa Clarice Lispector teve uma péssima recepção ao surgir como escritora: era acusada de ser muito intimista, “que sua escrita era coisa de mulherzinha” preocupada com o mundo interior, com os sentimentos e questões filosóficas sobre a vida e a morte. Eu penso que para um homem escrever, ele tem a liberdade de escolher o tema que bem o prover. Não existem restrições, nem exigências. Por que nós mulheres temos que ter essa exigência? Eu, como mulher negra, falo sobre machismo e racismo porque diariamente eu enfrento esses comportamentos na nossa sociedade, e eu não sou militante. Mas eu também falo de amor, maternidade, alegria, prazer. Eu sou um ser humano, eu sou uma artista, minha matéria prima é a vida. Talvez, se a sociedade avançar tão rápida como a minha urgência de igualdade, eu posso ter outros temas que me toquem.
    Literatura Feminina, sim, porque é escrita por mulheres, é uma voz feminina. Assim como Literatura Negra sim, porque é escrita por autores negros, é uma voz negra. Veja, que somos grupos excluídos de um cânone literário branco e masculino. Onde está a voz dos indígenas? Onde está a voz dos homossexuais? Onde está a voz da periferia? A Literatura só reflete o que a nossa sociedade espelha: uma sociedade desigual entre homens e mulheres. Toda e qualquer mulher que escreve, mesmo que não queria ser feminista, já está fazendo um papel revolucionário pois vai servir de inspiração para as nossas meninas e as nossas jovens.
   A 14ª edição da FLIP – Festa Literária de Internacional de Paraty estava homenageando as Mulheres escritoras. Mas, nenhuma mulher negra, num país onde mais da metade da população é negra. Alegaram que não conheciam ou que não encontraram autores disponíveis. As escritoras negras se reuniram e escreveram uma carta protesto.

   Como resposta e essa reivindicação, esse ano de 2017 a FLIP vai homenagear o escritor Lima Barreto e terá como convidada a escritora Conceição Evaristo, referência para nós mulheres negras que escrevem sobre suas “escrevivências”. Hoje aqui na Feira de Alegrete, me sinto à vontade e me sinto representada por todos os escritores negros aqui presentes. Isso é um avanço e tanto na Literatura! Parabéns a equipe organizadora do evento!
Ana Dos Santos
(Mesa de abertura da 38 ª Feira do Livro de Alegrete/julho de 2017)