sábado, 13 de novembro de 2010

AFRICANIDADES



MUSEU AFRO BRASIL - SÃO PAULO

   "...Pan-América de Áfricas utópicas do mundo do samba, mais possível novo quilombo de Zumbi...". Os versos de Caetano Veloso anunciam que na cidade de São Paulo vamos encontrar uma das maiores comunidades negras do Brasil. Cidade cheia de paradoxos e desigualdades, é lá que se localiza um arquivo cultural de grande importância para nós, brasileiros: o Museu Afro Brasil. Localizado dentro do belíssimo Parque Ibirapuera, o Museu acolhe nos seus três pisos, a história dos africanos que construíram o Brasil.
   O Museu tem duas mostras de acervo e uma temporária. Na ocasião da minha visita, a mostra temporária homenageava o país Benin. Fotos, esculturas, pinturas e instalações de artistas contemporâneos estavam lado a lado com roupas típicas, imagens religiosas que aqui receberam outros nomes e formas, mas que se assemelham na essência que é a representação das divindades e os sentimentos humanos, e das divindades com a Natureza.
   As religiões Afro-Brasileiras são o ponto forte do Museu. É possível sentir a energia da fé que ajudou a manter a cultura viva da África e que se misturou com a religião católica e espírita formando assim no Brasil as religiões Afro-Brasileiras."...as religiões afro-brasileiras recebem nomes diferentes dependendo do lugar e do modelo de seus ritos. No Nordeste há o tambor-de-mina maranhense, o xangô pernambucano e o candomblé baiano. No Rio de Janeiro e São Paulo prevalecem a umbanda e o candomblé e no Sul, o batuque gaúcho.
   A visitação está dividida em Núcleos, que podem ser percorridas à escolha do visitante. No Núcleo "O Sagrado e o Profano" encontramos belíssimas esculturas do Brasil colônia. O Barroco traz imagens de Cristo e de santos católicos que são homenageados nas festas típicas junto com santos populares do Brasil: Padre Cícero, Bom Jesus da Lapa, Aparecida da Norte. Os santos negros também estão presentes: Santa Ifigênia, São Benedito, Nossa Senhora do Rosário.
   No Núcleo histórico nos deparamos com a memória dos negros que ajudam a contar sua trajetória cheia de lutas e superações: Zumbi dos Palmares, Henrique Dias, Luís Gama e José do Patrocínio. Como a luta continua, muitos nomes de artistas se destacam até hoje: Grande Otelo, Machado de Assis, Ruth de souza ( que dá nome ao teatro dentro do Museu) e Carolina Maria de Jesus ( que dá nome à biblioteca).
   O Museu tem um grande acervo de artes plásticas, desde Aleijadinho até Heitor dos Prazeres. Mas o que mais me emocionou foi uma reprodução de um navio negreiro. Nesta sala disposta de maneira a nos sentirmos na "grande viagem" , somos lembrados dos horrores da escravidão e das relações desumanas que os escravos tinham com os exploradores da terra. O sangue derramado nese solo brasileiro, é o sangue da resistência. Ao contrário da "árvore do esquecimento" que os negros eram obrigados a circundar para deixar para trás suas origens ( na maioria das vezes, nobres) o Museu Afro Brasil contém a memória do Brasil, que é negro, índio, branco. O povo brasileiro pode se encontrar aqui.
Ana dos Santos
(imagens do marco inicial do Museu do Percurso do Negro em Porto Alegre)                                                         

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

BOEMIA

BOEMIA


   Algumas pessoas apreciam mais a noite que o dia. Eu sou uma delas. Sou atraída misteriosamente pelo azul escuro do céu, principalmente se ele estiver bordado de estrelas. Ou se houver lua, aquele satélite luminoso que atrai todos nós, os seres noturnos, os boêmios.
   Mas pode estar nublado ou chovendo, os bares da cidade vão sempre abrigar a boemia. Sozinhos ou acompanhados, vamos encontrar os boêmios, com um cigarro na mão e na outra, um copo. Copos cheios de bebida, que vão se esvaziando à medida que a conversa cresce ou a solidão diminui.
   O que se busca na noite nem sempre é companhia, embora essa seja uma busca eterna em nossas vidas. Às vezes o boêmio quer ficar sozinho com seus pensamentos que bóiam dentro dos copos. Às vezes foi a falta de uma companhia que nos levou para o bar, a famosa “dor de cotovelo”. Mas quase sempre, outro boêmio sentará em nossa mesa, e a noite poderá se estender de bar em bar, até o amanhecer.
   Essa é uma das prerrogativas do boêmio: não ter horário. Para chegar ou para sair da noite. Por isso, somos tantas vezes confundidos com “vagabundos”. Olhando o dicionário, o que encontro de sinônimos para “boêmio”: vadio, que vive em noitadas, que leva vida desregrada e de prazeres (oba!), natural da Boêmia, cigano. Cigano? Gostei!
   É, sim, às vezes eu sou cigana. Vagando, (e não vagabundeando) de bar em bar. Pelas encruzilhadas da vida, me deparo com as celebrações religiosas de cultura afro-brasileira.O famoso “povo da rua”, saudado nas esquinas, com cachaças, cigarros e tudo que possa agradar os “exus” e as “pombas-gira”. Para quem desconhece o assunto, eles são seres que gostam de festa, farra e às vezes uma confusão. Por isso mesmo, há de se pedir licença pro “povo”, e proteção. Porque se tem uma coisa que o boêmio não quer pra sua vida é confusão!
   E sempre tem aquele boêmio que exagera na dose, que fica chato, falando bobagens, filosofando “em alemão”, e acaba por chorar no teu ombro. Eu prefiro aqueles que ficam alegres! Que acham a que a vida é bela e que o amor é lindo! E dizem que te adoram e que tu és o melhor amigo. Então vamos dançar! Por que é à noite que o povo dança!
   “A tarde cai, a noite vem atropelando, todos chatos desanimados...”. Não importa o ritmo musical, todas festas são à noite, e o povo quer dançar. Quer celebrar, quer desopilar, soltar todos os demônios! E fazer a “dança do acasalamento!” Porque essa é a origem da dança: atrair para o acasalamento! E todos e todas vão prontos para o ritual: corpos perfumados, vestimentas atraentes, sorrisos em profusão. “De noite todos gatos são pardos”, mas não passam despercebidos. Todos têm seus “quinze minutos de fama”. Todos são belos, alegres, bem-resolvidos. A noite tem esse poder de transformar as pessoas, na maioria das vezes tira as máscaras sociais. Às vezes, tira a roupa, porque de noite, sempre é melhor...
    “Eu faço samba e amor até mais tarde, e tenho muito sono de manhã.” Chico Buarque que o diga, boêmio de carteirinha. Assim, como os gatos, o boêmio descansa de dia e passeia de noite. Corujas, morcegos, vaga-lumes, muitos animais têm hábitos noturnos. Certas flores só exalam perfume à noite.  Nós, humanos, não poderíamos ser diferentes. E toda essa conversa sobre boemia está me deixando com vontade de ir pra noite: “Boemia, aqui me tens de regresso e suplicante lhe peço, a minha nova inscrição.”
Anita Morango
(vídeos-portraits de Robert Wilson)