O DIA EM QUE CONHECI MARIELLE FRANCO
No dia 14 de março de 2018, depois de um longo e exaustivo dia de
trabalho, resolvi entrar na internet justo no momento em que uma notícia
estava sendo divulgada: "Vereadora é assassinada no Rio de Janeiro".
Eu, não conhecia Marielle.
E hoje, não vou falar da morte dela. E, sim, da vida que ela teve.
Fui procurar saber quem era essa mulher e para minha surpresa, descobri que ela era negra como eu.
Marielle e eu tínhamos quase a mesma idade. Mas, eu, ainda estou viva...
Marielle criava sua filha sozinha, assim como eu crio o meu filho.
Marielle encontrou um novo amor e elas pretendiam se casar no final daquele ano. Eu, estou reaprendendo a amar de novo.
Marielle havia terminado seu Mestrado recentemente. Eu estava no processo de seleção do Mestrado que curso hoje.
Nossas coincidências não ficaram só aí! Nossas pesquisas científicas têm como objeto o nosso povo negro.
Não vou falar da atuação política de Marielle na Câmara de
Vereadores do Rio de Janeiro. Marielle, antes de ser eleita, já era uma
política atuante na sua comunidade. Ela fez em pouco tempo, o que metade
daqueles vereadores nunca fizeram por sua cidade.
"A cria da
Maré", como ela mesmo se referia, nasceu em 1979, no Rio de Janeiro.
Filha de Marinete e Antônio, vivia no Complexo da Maré.
Assim
como eu, sempre trabalhou e estudou, para poder continuar estudando. Seu
primeiro emprego foi como camelô. Depois, tornou-se educadora
trabalhando numa creche, o que a levou a conhecer de perto a necessidade
da Educação Infantil para que as mulheres possam trabalhar fora. Uma
das suas realizações para a comunidade foi a criação das "Casas de
Parto" na Maré.
Marielle era uma mulher feliz, a gente pode
constatar em suas fotografias "um sorriso negro que traz felicidade". Em
sua juventude foi dançarina da equipe de funk "Furacão 2000", uma
expressão cultural da comunidade: "Eu só quero é ser feliz/Andar
tranquilamente na favela onde eu nasci/E poder me orgulhar/E ter a
consciência que o pobre tem seu lugar!"
Marielle casou e teve uma
filha, Luyara, que há pouco dias declarou que muitos estão usando a
imagem de sua mãe com interesses políticos.
Marielle perdeu uma
amiga para a violência policial que é a única ação do Estado dentro das
comunidades negras no Brasil. O genocídio da juventude negra têm
aumentado ano após ano. A morte de mulheres negras triplicou nos últimos
anos. As balas "perdidas" são facilmente "encontradas" nos corpos
negros!
Marielle decidiu estudar, entender e tentar resolver essa
equação. Fez um curso pré-vestibular comunitário e ingressou no curso
de Ciências Sociais. Logo, fez o Mestrado em Administração Pública com a
seguinte dissertação: "UPP - A redução da favela a três letras: uma
análise da política de segurança pública do Estado de Rio de Janeiro."
Em resumo seu trabalho é uma crítica da intervenção federal no Rio
de Janeiro e da polícia militar. Ela denunciava constantemente abusos de
autoridades contra moradores das comunidades cometidos pelos policiais.
Marielle era uma defensora dos Direitos Humanos e também uma feminista engajada nos direitos da população LGBTI.
Entre suas pautas estavam também a luta pelo fim da violência contra a mulher e o direito ao aborto.
Uma das suas últimas ações como vereadora foi formalizar o transporte dos mototáxis nas comunidades.
Termino esse relato trazendo algumas proposições que Marielle nos deixou em seu trabalho intelectual:
- Avançar em ações contundentes imediatas, ampliando forças para não perder "nem um direito a menos"!
- Defender a vida, com momentos contra a violência letal e pela ampliação da dignidade humana.
- Construir proposições de políticas públicas para enfraquecer as estratégias do capital no Brasil.
- Fortalecer a narrativa pela convivência plena na cidade, com as
múltiplas diferenças, para conquistar no imaginário predominante o
desafio fundamental de superar as desigualdades como eixo fundamental da
luta.
- Ampliar a centralidade dos corpos da periferia como atores
centrais das ações sociais, entre os quais destacam-se as mulheres
negras e mais pobres, com ênfase nas faveladas em todo o território
nacional.
Marielle tinha uma "emergência da vida" assim como suas
iguais, mulheres feministas negras e faveladas têm hoje! Segundo
palavras dela: Elas são a potência criativa e inventiva da favela. A
trajetória impulsionada pelas mesmas marca-se pelo instinto primário de
sobrevivência (delas e de suas famílias). Articulam-se em relações de
solidariedade para manutenção da vida e para ampliação da dignidade.
O dia em que conhecei Marielle Franco, não tive tempo de dizer a ela: Prazer em te conhecer! Ana Dos Santos
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