Cristal Rocha e Bruno Negrão (slammers/poetas)
O PENSAMENTO DECOLONIAL E AS POÉTICAS ORAIS: SLAM É
POESIA SIM!
Nas tensas relações entre o cânone literário
e Literatura Periférica, encontramos nos saraus periféricos e nos slams a
poesia em seu estado seminal: a oralidade! Essa mesma oralidade que é sempre
questionada quando se nega o reconhecimento de narrativas e poéticas da
Literatura Oral como legítimas expressões literárias de todos os povos e de
todos os tempos. No Brasil, a oralidade vem marcando presença em saraus periféricos,
com microfone aberto e nos slams.
Slam é uma competição de poesia autoral que
acontece em espaços públicos, na maioria das vezes, com jurados escolhidos no
público e que durante um período de tempo cronometrado precisam avaliar as
produções dos slammers/poetas que versam, entre tantos temas, sobre os anseios
de mudança da sociedade, pautas de lutas dos movimentos sociais, e defesa das
liberdades individuais na contemporaneidade.
A voz é o meio de expressão do slammer, que
pode dizer o poema de memória ou ler o que já está escrito. O corpo faz parte
da performance, onde é proibido o uso de adereços ou objetos. O olhar é
direcionado para o círculo de pessoas que se formam em volta do poeta. É a
poesia acontecendo no encontro entre a obra e o leitor (leitor de mundo,
citando Paulo Freire), transmitida por esse slammer que deseja vencer a
competição, mas que também se satisfaz e se realiza na escuta da sua fala.
Aqui falo do pensamento decolonial como expressão
de identidades étnicas e grupos sociais “subalternizados”, ou de algum modo à
margem, que recriam e descentram as poéticas ocidentais. O narrador oral e
urbano também escreve no papel e nos meios digitais, invertendo a lógica do
livro, que começa sempre na escrita para depois ser lido ou recitado em voz
alta. No caso dos slammers, o fanzine ou “zine” de produção artesanal tem
grande circulação nos slams que começam a ganhar forma de antologias.
O slam também conta com um espaço no
intervalo das batalhas que é chamado de “mic livre” (microfone) onde inscritos
previamente, poetas, slammers e público em geral, podem dizer, ler ou recitar
poemas de autoria própria ou de outros autores. Os competidores também se
inscrevem previamente e devem ter no mínimo três poemas autorais. Os slammers
são chamados com o grito do slam e com o coro do público, exemplo: “Poesia
contamina! Slam das Minas!”
Alguns slams têm temáticas de competição: o
Slam das Minas só permite mulheres competindo, o Slam Chamego é sobre afeto, o
Slam do Gozo é sobre erotismo, etc. Alguns slams têm relação direta com o
território onde acontece, como o Slam da Tinga, tradicional bairro periférico
de Porto Alegre, assim como em outras periferias da cidade, que ressignificam o
próprio termo “periferia”, como um local de produção cultural e referência que
se opõem ao centro, com suas práticas discursivas e “escrevivências” próprias.
O slammer/poeta é constituído e atravessado
por essas identidades que a própria cultura do slam está construindo no Brasil,
país extremamente racista, machista e homofóbico, onde os corpos exterminados
são preferencialmente corpos negros, femininos e lgbtq+. Esses sujeitos
aparecem nos poemas como o eu lírico que está entremeado na identidade da
autoria.
O
caráter competitivo do slam é a sua principal característica que se opõe ao
sarau periférico por não ter competição:
... é o caso dos Slams, eventos
de ‘batalhas de versos’ que se firmam como espaço de literatura nas periferias,
conforme Lima (2016). Os slams são campeonatos de poesias: Normalmente, os
participantes tem até três minutos para apresentarem sua performance – uma
poesia de autoria própria, sem adereços ou acompanhamento musical. O texto pode
ser escrito previamente, mas também pode haver improvisação. Não há regra sobre
o formato da poesia. O júri é escolhido na hora e dá notas de 0 a 10, que podem
ser fracionadas, explica Jéssica Balbino, escritora e pesquisadora de
literatura marginal e hip hop, em entrevista ao Nexo. Entre todos os
competidores, a maior nota vence. Os campeonatos não são obrigados a seguir
normas rígidas, mas a maior parte obedece a essas diretrizes. (Lima, 2016)
O
SILÊNCIO É UMA PRECE!
Como pesquisadora, professora e poeta, o que
mais me surpreendeu frequentando os slams é o silêncio que se faz para escutar
os poemas. No meio da rua, uma roda de quase cem pessoas fazendo silêncio em uma das avenidas mais movimentadas da cidade é
quase uma transgressão! Levando-se em conta a maioria do público que é jovem,
meu espanto foi ver o respeito e a reverência à poesia, silêncio difícil de
encontrar em saraus de espaços fechados, onde o poeta precisa competir com
conversas de bar, músicas e celulares que chamam mais atenção do que os poemas.
O slam foi criado nos anos 1980 em Chicago, ao mesmo tempo em que a
cultura hip hop tomava forma, mas só chegou ao Brasil mais tarde, nos anos
2000. Segundo Lima (2016) no Brasil, os slams são próximos de outro espaço da
literatura das periferias: os saraus. O público das duas manifestações
culturais muitas vezes coincidem, e há em ambos, uma interação muito grande
entre os participantes: “Mas o slam dialoga mais com o público mais jovem,
talvez pelo caráter competitivo, talvez pelo caráter performático, mas existe
uma crescente no grupo, o que é muito bacana, porque justamente exercita o
ouvir”, diz Jéssica Balbino. Segundo a pesquisadora, o slam contribui na
autorrepresentação de minorias, como mulheres, negros, lésbicas e gays e
moradores das periferias em geral. “Para competir no slam, a pessoa não precisa
ter livro publicado, ser rapper, artista, nada. Vale para donas de casa,
taxistas, vendedores, etc. No sarau também, claro. Existe algo de: todos
podemos fazer poesia. Todos podemos usar a palavra para nos manifestarmos. Não
há necessidade de um livro publicado para validar o ofício de poeta e/ou
slammer.”
Concluo afirmando que
Slam é Poesia sim, uma poesia que precisa ser vivenciada presencialmente, sentindo
a aura que uma roda de slam emana, o brilho nos olhos dos slammers/poetas, que
também vêm discutindo os limites, semelhanças e diferenças entre o fazer
poético, ora para competir, ora para escrever. Você também pode assistir os
vídeos na internet, mas lhe garanto que não é o mesmo que ver um slammer em
ação!
Ana Dos Santos, pesquisadora de Poéticas
Orais, professora de Literatura Brasileira e poetisa!
BIBLIOGRAFIA
PRZYBYLSKI, Mauren
Pavão. A voz da poesia periférica por ela mesma: uma conversa com Sandro
Sussuarana, do Sarau da Onça. Disponível em http://revistaboitata.portaldepoeticasorais.com.br/site/arquivos/revistas/1/ENTREVISTA%20A%20SANDRO%20SUSSUARANA,%20CONDUZIDA%20POR%20MAUREN%20PAV_O%20PRZYBYLSKI.pdf
FONTOURA, Pamela,
SALOM, Julio, TETTAMANZY, Ana Lúcia. Sopapo Poético: sarau de poesia negra no
extremo sul do Brasil. Revista de estudos de literatura brasileira
contemporânea, n.49, set/dez. 2016. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/elbc/n49/2316-4018-elbc-49-00153.pdf
O que são slams e como
eles estão popularizando a poesia. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/12/20/O-que-s%C3%A3o-slams-e-como-eles-est%C3%A3o-popularizando-a-poesia
Adorei! Baita artigo. Obrigada 😊😘
ResponderExcluirAdorei! Baita artigo. Obrigada 😊😘
ResponderExcluirQue baita artigo, Ana! Material de referência :)
ResponderExcluiré tudo nosso meninas!
ResponderExcluir