APRESENTAÇÃO DO LIVRO "MULHERES ESQUECIDAS" DE ROSANE PEREIRA
Tive a honra de fazer a apresentação desse livro!
Título: MULHERES ESQUECIDAS
Aurora: Rosane Pereira
Editora Bestiário
Melina, Júlia, Tereza e Luana são as mulheres esquecidas dessa narrativa. Mas Ângela, Alice e Maria Clara também foram esquecidas. Assim como Lilian, Mariana e Margarida... Na São Paulo do século XXI, milhares de moradoras de rua são esquecidas em um canto qualquer. Vamos acompanhar de perto a amizade que surge em meio ao caos de uma vida incerta e inesperada para quem vive da caridade alheia. Rosane Pereira põe uma lente de aumento sobre essas existências: "Desde que passei a viver na rua, entendi que de nada serve ter uma história para lembrar ou para contar. A gente tem que viver cada dia, um por um", lamenta Júlia. Porém, a autora vai nos contar as histórias de vida dessas mulheres, algumas sem identidade, mas todas com uma vivência em comum: os anos em que viveram juntas em um casarão abandonado. O machismo, o racismo e o classismo atravessaram seus corpos com todos os tipos de violência. De abandono em abandono, não se fixam em nada nem em ninguém, sempre vagando pelo mundo: "...a rua é tudo que é lugar e não é lugar nenhum", afirma Luana. É na convivência diária que vão construir entre elas a sororidade e a dororidade que as reúne. A Literatura é fundamental para que se preserve a memória, e Rosane Pereira, com suas palavras, faz com que nós nunca mais nos esqueçamos dessas mulheres.
Ana Dos Santos
Escritora, professora e Mestra em Literatura Brasileira.
Sobre a autora:
Rosane Pereira nasceu em Porto Alegre, é psicanalista, publicou seu primeiro romance, "Estranhos, Noturnos... e amantes - Retrouvailles online", pelas Editoras Associadas, (Porto Alegre) em 2009. Em 2013, publicou sua coletânea de contos "A invenção do Sentimento" pela Editora Ideias a Granel (Porto Alegre) e em 2018 publicou seu segundo romance " A dor dos lobos" pela Editora Patuá (São Paulo).
APRESENTAÇÃO DO LIVRO "JOCOSO PONTO" DE TAINÃ ROSA E MITTI MENDONÇA
Em seu cartão de visita, Oliveira Silveira se definia como pesquisador da cultura afro-brasileira e escritor de literatura negra. Falecido no dia 1 de janeiro de 2009, o poeta, professor e intelectual, com grande trabalho dentro do movimento negro (foi um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra), deixou um legado vivo e que segue sendo objeto de pesquisas e influenciando novas gerações.
Nascido no distrito de Touro Passo, na Serra do Caverá, em Rosário do Sul, Oliveira fez uma poesia que refletiu sobre o seu tempo e que se mostra, cada vez mais, universal.
No início da década de 1970, Oliveira Silveira, Antônio Carlos Côrtes, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Jorge Antônio dos Santos (Jorge Xangô) e Luiz Paulo Assis Santos, recorrentemente, encontravam-se em frente à tradicional Casa Masson da Rua da Praia, no Centro de Porto Alegre. Reuniões posteriores incluíram membros e culminaram com a consolidação do Grupo Palmares, focado nos estudos de artes, literatura e teatro.
Para homenageá-lo durante o 1º Festival Internacional de Literatura de Gramado, reunimos uma comissão, composta por Ronald Augusto, Ana dos Santos, Richard Serraria, Naiara Silveira, Sátira Machado, Coletivo Sankofa e Adílson Fontoura
#paratodosverem: a imagem conta com os elementos visuais que compõem a identidade do FiliGram, são formas geométricas coloridas onde no topo está escrito COMISSÃO DE HOMENAGEM A OLIVEIRA SILVEIRA, em vermelho e, ao lado, a foto do autor. Distribuídas no card, há mais sete fotos, todas em formato circular com as respectivas legendas: Naiara Silveira, Ronald Augusto, Coletivo Sankofa, Ana dos Santos, Sátira Machado, Adílson Fontoura e Richard Serraria. No canto inferior direito está a logo do Festival.
MULHERES ESCRITORAS COMPARTILHAM SEUS SABERES: UMA CONVERSA COM ANA DOS SANTOS E FUTHI NTSHINGILA
Por Thaís Seganfredo
O que é ser escritora nesses tempos difíceis que estamos vivendo? A escritora Carolina Panta abriu a mediação da mesa “África e Brasil: saberes femininos”, que aconteceu no cair da tarde deste domingo (04) com essa pergunta desafiadora. Na conversa, as escritoras falaram de conquistas históricas, oralidade e da importância matriarcal das mulheres na sociedade. Confira como foi a mesa, permeada por poemas de Ana dos Santos e por falas da sul-africana Futhi, que contou com tradução:
Futhi Ntshingila: Não são tempos fáceis, principalmente para as mulheres e principalmente para as mulheres negras. Eu tento não esquecer que as mulheres que vieram antes de nós lutaram em tempos mais difíceis ainda do que nós estamos lidando agora. As mulheres das quais eu tiro inspiração são Maya angelou, Alice walker… Antes delas havia outras mulheres que lutaram em lutas mais difíceis.
“Os homens que não amavam as mulheres diziam que amavam as mulheres. Mas matavam as mulheres. Sempre foi assim, mas nós não queremos mais morrer. Eu já morri 100 vezes, arrastada pelos cabelos, nas fogueiras da inquisição, nos campos de concentração (…)” – Ana dos Santos
Conquistas e avanços
Futhi: Eu quero acreditar que vai haver um tempo, mas chega a ser difícil ser otimista quando paramos pra olhar o que vem acontecendo. Esse poema que a Ana acabou de ler é um poema com o qual eu me identifico. É a história de mulheres do lugar de onde eu venho. Mas eu acredito que se nós vamos chegar a um ponto em que vamos poder cantar, precisamos ter primeiro pequenas vitórias, porque é pedacinho por pedacinho. No meu país, havia um tempo em que as mulheres não podiam se envolver. Teve um tempo perto de 1952, em que as mulheres tinham que andar longas distâncias para chegar até o parlamento e exigir seus direitos. Todo dia 09 de agosto na África do Sul, nós celebramos essa conquista das mulheres que foram até o parlamento e exigiram seus direitos. Naquele momento, era exigido que todas as pessoas negras tivessem carteiras de identidade e havia áreas em que elas eram restritas. No dia 9 de agosto, as mulheres colocaram fogo nas carteiras de identidade: “a partir de agora vocês vão nos tratar como seres humanos”. Temos agora mais de 50% de mulheres no parlamento e isso é alguma coisa. Em 1994, quando recuperamos nossa democracia, o nível de educação para as mulheres subiu. Esses são marcos que podemos apontar para chegar até essa área que estamos enxergando.
Ana dos Santos: as mulheres negras sempre estão em coletivo, é assim que a gente trabalha até hoje. Nós perdemos muito na travessia do Atlântico, e quando penso nisso, lembro das mulheres da nossa família. Olhamos para trás e vemos afeto, carinho e força nessas mulheres. Ultimamente, tenho sentido entre as mulheres um lugar de carinho, de segurança e é muito bom ver tantas mulheres escritoras aqui hoje.
Ancestralidade e afeto
Futhi: a matriarca é a pessoa mais importante da família. Penso nas mulheres de casas domésticas no oeste da África. Eram elas que mandavam, governavam como rainhas. Então pra mim, principalmente as avós, são mais do que avós, elas trazem com elas toda uma sabedoria que é repassada para nós. Vou contar para vocês uma história da mãe da minha mãe. Ela cresceu como trabalhadora doméstica, tem um personagem no meu livro que fala disso e essa é a história da minha avó. Ela trabalhava na cozinha de pessoas brancas durante o apartheid. E ela tinha uma xícara diferente do que as outras pessoas usavam, uma xícara de chá. Ela devolveu a xícara, dizendo que não usa esse tipo de xícara de latão. E a mulher falou que era pra ela colocar açúcar mascavo no chá, o açúcar marrom. Ela disse que não gostava de açúcar mascavo [ e respondeu] “por que você mesma não coloca no seu chá?” São pequenas atitudes como esta que mostram a história. Ela tinha uma maneira de agir que por um lado era submissa, mas quando você via ela em casa, você via uma leoa. Minha avó não se denominava feminista, mas todo o comportamento dela mostrava que essas mulheres queriam igualdade. Elas tinham uma maneira própria de buscar isso. Elas buscavam seu caminho. Porque se houvesse alguma discordância na casa, a avó diria: não se preocupe com isso. No próximo dia, uma decisão ia ser tomada, de um modo que o homem acreditaria que ele é que tomou a decisão.
“Você conhece alguma princesa negra? eu conheço e ela se chama Dandara. Está mais perto do que você imagina. Dandara é uma mulher que é dona de sua casa, pois no Brasil mais da metade das casas são chefiadas por mulheres. (…) Dandara é guerreira porque chove na sua horta e ela vai vender na feira. Dandara é princesa e também é rainha. Dandara é mãe e teve três filhos, mas criou sozinha, porque o negro rei foi pra Bahia. E lá ele é chamado de meu rei. (…) Dandara odeia os ismos, racismo, machismo, fascismo, também odeia regras porque não é preciso, ela não é obrigada a fazer transição, e usa seu cabelo liso” – Ana dos Santos
QUESTIONANDO CÂNONES POÉTICOS
Rafael Gloria
No último dia do Festival Internacional Literário de Gramado, aconteceu uma das melhores mesas de todo o evento, intitulada Poesia e crítica contemporânea, com debates entre os poetas Ronald Augusto, Ana dos Santos e Marlon Ramos. O público, de início, era pequeno, mas foi enchendo conforme o tempo passava, lotando nas mais de uma hora de duração da mesa.
Quem começou com a sua fala foi Ronald Augusto. Ele lembrou que o conceito de crítica ficou preso a uma ideia vaga de se falar negativamente sobre algo, mas é muito mais amplo, sendo um processo de análise, de reflexão. Ronald também comentou sobre o conceito de qualidade literária e como ele necessita de um debate mais aprofundado. “Hoje os critérios são outros e outras demandas são importantes”, fala. Ele diz que, por muito tempo, essa ideia foi usada para para afastar os escritores negros de grandes editoras, por exemplo. Ronald é também crítico com a ideia de que a arte salva, comum em alguns meios. “Essa possibilidade não é algo intrínseco ao processo criativo, nós associamos, mas não está na base da poesia um caráter salvacionista”, aponta.
Ana dos Santos lembra que os critérios de publicação, em sua grande maioria, sempre foram eurocêntricos e ligados a uma elite. “Acho muito importante os poemas que viraram clássicos, mas também é preciso questioná-los. Quando falamos em poesia canônica, quem é que vem à mente?”, diz. Ana acredita que a crítica negativa também pode ser interessante no sentido de construir outras perspectivas. Ela também é pesquisadora e atualmente faz doutorado em Letras na Ufrgs e vê a poesia como um lugar de liberdade, apontando que é preciso buscar outras referências para ir além do cânone, buscando uma maior diversidade de autoras e autores.
Marlon Pires diz que as referências musicais, para ele, vieram antes do que as literárias. “Neruda, por exemplo, veio para mim a partir do Emicida”, diz. Ele também cita o samba, o slam, Sérgio Vaz, Racionais, Rappin Hood. Marlon diz que começou escrevendo crônicas e que a música o ajudou a compreender que o seu tipo de texto era mais ritmado. “E então, eu fui achando um caminho de poesia possível, que pudesse abarcar um jeito de escrever, com afeto”, explica. Ele diz que no início a sua construção pensava nessa ideia do verso que abraçasse, mas para isso teve que passar pelo senso crítico de ouvir a galera que estava fazendo poesia na rua, no rap, samba, e também no cânone.
A mesa foi rica em discussão, porque trouxe diferentes visões sobre como cada um dos autores observa o fazer poético, a recepção da poesia e também a estética que buscam. Depois da conversa, os três leram alguns de seus poemas, sempre aplaudidos efusivamente pelo público, bem receptivo. A poesia pode não salvar, mas ela tradicionalmente reúne as pessoas e foi isso que aconteceu neste último dia de evento.